quarta-feira, 30 de maio de 2012

Discurso da Vereadora Tereza Nelma na sessão afro

Foto: Lia Melo




Homenagem às personalidades negras - Vereadora Tereza Nelma (25.05.12)

Meus amigos e minhas amigas

Começo citando dois líderes negros: um que nasceu e cresceu no país mais rico do mundo. O outro que viveu e sofreu num país africano. Um foi assassinado por suas ideias e ações pelo bem. O outro foi condenado à prisão perpétua, mas o povo o libertou e o transformou num nos maiores líderes da humanidade.

Que identidade haveria entre essas duas pessoas criadas em realidades sócio-econômicas tão diferentes? É que nesses países, os Estados Unidos da América e África do Sul, desenvolveu-se, durante um longo período, o apartheid mais feroz, odioso e desumano da história, contra os negros e as negras.

Por isso, o pastor norte-americano Martin Luther King, mesmo conhecendo e vivendo sob a dura discriminação capitalista, aconselhava: “devemos aprender a conviver juntos como irmãos ou pereceremos juntos como tolos”.

Essa verdade é tão forte que lá no outro lado do mundo, na pobreza africana, produzida por séculos de cruel colonialismo, Nelson Mandela chegaria a conclusão idêntica. Ainda que as grades da prisão tenham consumido sua juventude, ele alertava ao tornar-se presidente da República: “Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos”.

Eu poderia citar também o exemplo de Dandara, essa guerreira negra, companheira de Zumbi dos Palmares e mãe de seus três filhos, que se suicidou depois de presa, para não voltar à condição de escrava. Poderia falar sobre a justa luta dos negros e das negras brasileiras, nos quilombos ou na resistência social e cultural, por esse Brasil afora, até chegar à nossa Alagoas. Infelizmente, a luta pelo fim da escravidão ainda não acabou na sociedade, ainda que a Constituição proíba qualquer discriminação. E essa insistência na exploração do trabalho humano vem de longe.

Por exemplo: pouco tempo depois de proclamado o fim da escravidão, o Império passou a importar da Europa milhares de camponeses e camponesas, atirados na miséria pelo desenvolvimento capitalista. Esses italianos, alemães e outros não chegavam ao Brasil trazidos por nenhum sentimento humanitário. Ao contrário, os grandes fazendeiros e oligarcas visavam formar um segmento de classe média branca na área rural para impedir a ascensão do negro.

Mas eu não estou aqui hoje para dar uma aula de história sobre essa luta de ascensão social. E quem sou eu para me atrever nesse caminho, diante de tantos especialistas. Quero só enfatizar o sofrimento presente em toda resistência social que desafia a dominação. Os indicadores de hoje mostram que os negros ainda são maioria entre os miseráveis e os pobres, além de receber os piores salários. No entanto, pelo menos em um dos aspectos centrais, essa luta negra derrotou o cerne mais cruel da ideologia racista. Na época da escravidão chegava-se a questionar se o negro, o escravo, tinha alma. Depois, se tinha inteligência.

A homenagem que faço hoje a essas grandes lideranças negras que contribuem com o desenvolvimento de Alagoas me dispensam de citar o êxito de negros e negras nos esportes, na música, nas artes, na produção do conhecimento. O apartheid foi derrotado politicamente. A Constituição de 1988 e a legislação decorrente garantiram grandes avanços na luta contra o racismo. E, além disso, abriram espaços para a formação de uma imensa pluralidade de organizações civis de lutas pelos direitos dos negros e por sua afirmação étnica e cultural.

No entanto, repito, não sou ingênua a ponto de não reconhecer as imensas barreiras que ainda existem para o acesso dos negros em outros setores. A política é um deles.

Vejam a micro-história dessa nossa Câmara Municipal. Na terra de Zumbi é preciso ter coragem para dizer que é preciso aumentar a representatividade negra, em todos os poderes, com tudo que isso implica. Aqui, nessa Câmara o preto dos ternos ou dos vestidos superam em muito a simples representação numérica de negros. Não precisamos de cor, mas de gente representativa.

Há os que ironizam as homenagens prestadas por essa Câmara de Vereadores. Não compartilho desse cinismo. O pensamento dominante usa, como uma pedagogia eficiente, apresentar na sociedade seus representantes como exemplo. Como venho de uma família pobre, trabalhando contra todas as discriminações e pela inclusão das pessoas que mais precisam quero homenagear aqueles que lutam para construir uma sociedade melhor. Aquela sociedade defendida por Luther King e Mandela, onde todos se reconheçam irmãos e irmãs.

Assim, vou falar de uma dúzia dessas pessoas da melhor qualidade humana. Peço licença, se houver algum preto véio participando aqui, para começar pelas mulheres, essas Dandaras contemporâneas.

Alí está a Socorro. Ou melhor a Maria Socorro França da Silva Rocha, casada, com uma filha. Essa enfrentou a batalha política pelo lado mais difícil. Comunista do PCB, chegou a ser candidata a deputada estadual, fundou o Sindicato dos Enfermeiros, esteve na criação e participou de várias organizações de defesa das mulheres – inclusive das negras e daquelas que vivem no sertão. Seu nome já indica: ela é o Socorro que precisamos, sempre solidário, ao nosso lado.

Mas se dissermos solidariedade, como esquecer essa negra bonita, corajosa, forte, a Elizete Santos. Ex-militante do PT e do PSB, sempre esteve nas manifestações de rua contra a corrupção, candidatou-se, ajudou a fundar sindicatos e ainda dirigiu, com grande carinho, a cidade dos menores da antiga FEBEM. Foi presidenta da Associação das Mulheres Negras. E, o que é mais importante, Elizete, mesmo indignada às vezes, nunca deixou de apoiar seus companheiros e companheiras.

A Eulina Ferreira Silva Neta Rêgo, alagoana corajosa, mãe quatro vezes, preside o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher. A Eulina ingressou na Polícia Civil, mas nunca fez da repressão grosseira sua principal atividade. Por isso participou de vários cursos como Atendimento às Mulheres Vítimas da Violência, Liberdade e Orientação Sexual, Legalização do Aborto, Combate à Violência Intrafamiliar. No Conselho Municipal, coordenou a elaboração do Mapeamento da Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher em Maceió.

Outra profissional exemplar é a Ângela Maria Benedita Bahia de Brito, graduada em Meteorologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além de suas atividades específicas na UFAL, ela tem uma ampla participação como dirigente do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, além de cursos sobre a realidade da população negra. Isso sem contar seus envolventes projetos de pesquisas. Por exemplo, cito o “Estudo sobre a vulnerabilidade da população negra ao HIV/AIDS e a busca por prevenções em comunidades remanescentes quilombolas”. Tem ainda o interessante “Vozes Femininas – ampliar a inclusão feminina na política de Alagoas”.

Tenho ainda aqui uma parceira de projetos, que é a competente jornalista Valdice Gomes, a segunda presidenta e a primeira negra a dirigir o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas. Além de ser diretora da Federação Nacional de Jornalistas, a Valdice integra, também, a Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial. Em Alagoas ela trabalhou com assessora em várias secretarias, municipais e de Estado, e em órgãos importantes de informação. Ainda faz parte do Centro de Estudos Étnicos Anajô, vinculada aos agentes de Pastoral Negra do Brasil.

Foto: Lia Melo
Outra jornalista atuante, que conheço desde estudante, é a Helciane Angélica Santos Pereira. Ela começou como a filha do Helcias, mas ganhou luz própria, participando da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial em Alagoas (Cojira-AL) editando a Coluna Axé da Tribuna Independente, ou recebendo prêmios por sua atuação jornalístca. Desde a época de estudante, Helciane é ativista do movimento, seja no Centro de Cultura e Estudos Étnicos Anajô, onde já foi presidente, ou entre os Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APNs).

Como mãe, acho que sempre gostaríamos de ter os filhos ao nosso lado, quando construímos nossos sonhos. Por isso, os olhos do Helcias Pereira brilham ao lado de sua Helciane. E também, certamente, a filha tem muito orgulho desse pai que desde os 15 anos se integrou na luta social – seja na vida sindical ou nas associações.

É um orgulho homenagear, com a Comenda Zumbi dos Palmares, esses novos Zumbis da inclusão social dos negros.

Falo primeiro das impressões digitais de Helcias, que estão nítidas no movimento negro, na fundação do Mocambo Anajô, no fortalecimento dos Agentes de Pastoral Negros do Brasil, ou na criação da Coordenação de Entidades Negras de Alagoas, sem contar o Projeto 300 anos de Zumbi. Se eu quisesse resumir com mais emoção, diria que Helcias é arte-educador e um dos mais eficientes agitadores e realizadores sociais e culturais da causa negra em Alagoas.

O Igbonan Rocha, esse baiano que adotou Alagoas, vai numa linha semelhante, ligada às artes, principalmente à música. Já montou shows diversos, como o “40 anos fluindo naturalmente”, gravou CDs e anda soltando sua bela voz por aí, em vários locais, para nosso prazer. Junto com a Wilma Araújo, ele esteve à frente do projeto Clube do Samba.

Já o Severino Claudio de Figueiredo Leite, técnico em contabilidade e licenciado em Educação Física, abraçou outro aspecto da cultura negra. Entre suas realizações está o Projeto Abraço à Serra, no Dia da Consciência Negra além da dedicação à capoeira – que usou para incluir na sociedade meninos de rua, até chegar, também, na Europa, na Suiça. Atualmente é mestre, entre outros, dos grupos Berimbau Sagrado e Quilombo Por do Sol dos Palmares.

O Célio Rodrigues dos Santos é formado em história e lecionou no curso de Pedagogia da UFAL durante 16 anos. É um participante ativo em encontros regionais e nacionais, e preside atualmente o Núcleo de Cultura Afro Brasileira Lya Ogun-Tê. Dedicando-se à religião, o professor Célio conseguiu transformar a Casa de Axé na primeira ONG religiosa alagoana, em 1984. É uma entidade filantrópica e a primeira a organizar um site. Por seu trabalho ele já recebeu o prêmio Renildo de Direitos Humanos do Movimento GLBT, além da Comenda mérito Palmares do Estado de Alagoas.

O Allex Sander Porfirio de Souza percorre outro caminho, mas com o mesmo destino de ascensão social. Economista, professor de Matemática e especialista em gestão de empreendimentos turísticos, tem projetos originais, como o Pérola Negra Brasileira, que analisa a história e a importância das lutas do povo negro. Conheça e se orgulhe, diz o Allex, com sua extensa experiência profissional.

Quem quiser conhecer a história do movimento negro também não poderá deixar de examinar as publicações e as pesquisas do professor Zezito Araújo. Já na conclusão de sua graduação no curso de História ele discutia o “Mito da Democracia Racial como forma de controle social em Alagoas”. Sua dissertação de mestrado tratou do “Carrasco, comunidade remanescente de Quilombo em Alagoas”. O professor Zezito, além de estudioso da África e orientador de trabalhos de alunos, é um militante político e grande organizador de eventos sobre direitos humanos da cidadania afro-brasileira.

Quem abre outros caminhos é o professor Jorge Luis de Souza Riscado, doutorando em saúde pública pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, estudando “Saúde, raça/cor, homens, sexualidade, DST/AIDS e drogas em comunidades remanescentes de quilombolas em Alagoas”. Em seu mestrado ele apresentou a dissertação sobre “AIDS, prevenção e prontidão profissional”. O professor Riscado tem um currículo rico, com ações de extensão de conhecimento, pesquisas e apresentação de trabalhos em congressos, seminários e encontros. Publicou artigos, capítulos de livros, organizou publicações e entre seus livros, cito “Ocupando espaço: homens comportamento sexual de homens que fazem sexo com homens”, e “Quilombolas: guerreiros alagoanos, aids, prevenção e vulnerabilidade”.

Mas antes de encerrar essas apresentações de personalidades que somam tantas contribuições para compor o perfil de uma nova sociedade, quero me desculpar pela síntese. Tive que reduzir a menos de meia dúzia de folhas uma dezena de currículos, alguns deles com mais de 30 páginas. Meu propósito foi de ressaltar que nós podemos dar outro rumo à sociedade.

E vou encerrar como iniciei, recorrendo ao exemplo de Luther King, que alertava: “Aprendemos a voar como os pássaros, a nadar como os peixes; mas não aprendemos a simples arte de vivermos juntos como irmãos”.

A isso Mandela, o Madiva do povo, esse quilombola contemporâneo e internacional, ensina: "Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, também podem ser ensinadas a amar”.

É isso que eu venho tentando dizer desde o início, esta é a síntese que consigo extrair da rica diversidade de cada um de Vocês. Muito obrigado por tudo o que Vocês fizeram e vêm fazendo. Vocês nos tornam mais irmãos e irmãs. Eu amo essa bela construção que vocês estão erguendo para uma nova sociedade.
Muito obrigada.

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