Foto: Lia Melo |
Homenagem às personalidades negras - Vereadora
Tereza Nelma (25.05.12)
Meus amigos e minhas amigas
Começo citando dois
líderes negros: um que nasceu e cresceu no país mais rico do mundo. O outro que
viveu e sofreu num país africano. Um foi assassinado por suas ideias e ações
pelo bem. O outro foi condenado à prisão perpétua, mas o povo o libertou e o
transformou num nos maiores líderes da humanidade.
Que identidade haveria
entre essas duas pessoas criadas em realidades sócio-econômicas tão diferentes?
É que nesses países, os Estados Unidos da América e África do Sul,
desenvolveu-se, durante um longo período, o apartheid mais feroz, odioso e desumano
da história, contra os negros e as negras.
Por isso, o pastor
norte-americano Martin Luther King, mesmo conhecendo e vivendo sob a dura
discriminação capitalista, aconselhava: “devemos aprender a conviver juntos
como irmãos ou pereceremos juntos como tolos”.
Essa verdade é tão
forte que lá no outro lado do mundo, na pobreza africana, produzida por séculos
de cruel colonialismo, Nelson Mandela chegaria a conclusão idêntica. Ainda que as
grades da prisão tenham consumido sua juventude, ele alertava ao tornar-se
presidente da República: “Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão
que foram feitos para viverem como irmãos”.
Eu poderia citar também
o exemplo de Dandara, essa guerreira negra, companheira de
Zumbi dos Palmares e mãe de seus três filhos, que se
suicidou depois de presa, para não voltar à condição de escrava.
Poderia falar sobre a justa luta dos negros e das negras
brasileiras, nos quilombos ou na resistência social e cultural, por esse Brasil
afora, até chegar à nossa Alagoas. Infelizmente, a luta pelo fim da escravidão
ainda não acabou na sociedade, ainda que a Constituição proíba qualquer
discriminação. E essa insistência na exploração do trabalho humano vem de
longe.
Por exemplo: pouco
tempo depois de proclamado o fim da escravidão, o Império passou a importar da
Europa milhares de camponeses e camponesas, atirados na miséria pelo
desenvolvimento capitalista. Esses italianos, alemães e outros não chegavam ao
Brasil trazidos por nenhum sentimento humanitário. Ao contrário, os grandes
fazendeiros e oligarcas visavam formar um segmento de classe média branca na
área rural para impedir a ascensão do negro.
Mas eu não estou aqui
hoje para dar uma aula de história sobre essa luta de ascensão social. E quem
sou eu para me atrever nesse caminho, diante de tantos especialistas. Quero só
enfatizar o sofrimento presente em toda resistência social que desafia a
dominação. Os indicadores de hoje mostram que os negros ainda são maioria entre
os miseráveis e os pobres, além de receber os piores salários. No entanto, pelo
menos em um dos aspectos centrais, essa luta negra derrotou o cerne mais cruel
da ideologia racista. Na época da escravidão chegava-se a questionar se o
negro, o escravo, tinha alma. Depois, se tinha inteligência.
A homenagem que faço
hoje a essas grandes lideranças negras que contribuem com o desenvolvimento de
Alagoas me dispensam de citar o êxito de negros e negras nos esportes, na
música, nas artes, na produção do conhecimento. O apartheid foi derrotado
politicamente. A Constituição de 1988 e a legislação decorrente garantiram
grandes avanços na luta contra o racismo. E, além disso, abriram espaços para a
formação de uma imensa pluralidade de organizações civis de lutas pelos
direitos dos negros e por sua afirmação étnica e cultural.
No entanto, repito, não
sou ingênua a ponto de não reconhecer as imensas barreiras que ainda existem
para o acesso dos negros em outros setores. A política é um deles.
Vejam a micro-história dessa
nossa Câmara Municipal. Na terra de Zumbi é preciso ter coragem para dizer que
é preciso aumentar a representatividade negra, em todos os poderes, com tudo
que isso implica. Aqui, nessa Câmara o preto dos ternos ou dos vestidos superam
em muito a simples representação numérica de negros. Não precisamos de cor, mas
de gente representativa.
Há os que ironizam as
homenagens prestadas por essa Câmara de Vereadores. Não compartilho desse
cinismo. O pensamento dominante usa, como uma pedagogia eficiente, apresentar na
sociedade seus representantes como exemplo. Como venho de uma família pobre,
trabalhando contra todas as discriminações e pela inclusão das pessoas que mais
precisam quero homenagear aqueles que lutam para construir uma sociedade
melhor. Aquela sociedade defendida por Luther King e Mandela, onde todos se
reconheçam irmãos e irmãs.
Assim, vou falar de uma
dúzia dessas pessoas da melhor qualidade humana. Peço licença, se houver algum
preto véio participando aqui, para começar pelas mulheres, essas Dandaras
contemporâneas.
Alí está a Socorro. Ou
melhor a Maria Socorro França da Silva Rocha, casada, com uma filha. Essa
enfrentou a batalha política pelo lado mais difícil. Comunista do PCB, chegou a
ser candidata a deputada estadual, fundou o Sindicato dos Enfermeiros, esteve
na criação e participou de várias organizações de defesa das mulheres –
inclusive das negras e daquelas que vivem no sertão. Seu nome já indica: ela é
o Socorro que precisamos, sempre solidário, ao nosso lado.
Mas se dissermos
solidariedade, como esquecer essa negra bonita, corajosa, forte, a Elizete
Santos. Ex-militante do PT e do PSB, sempre esteve nas manifestações de rua
contra a corrupção, candidatou-se, ajudou a fundar sindicatos e ainda dirigiu,
com grande carinho, a cidade dos menores da antiga FEBEM. Foi presidenta da
Associação das Mulheres Negras. E, o que é mais importante, Elizete, mesmo
indignada às vezes, nunca deixou de apoiar seus companheiros e companheiras.
A Eulina Ferreira Silva
Neta Rêgo, alagoana corajosa, mãe quatro vezes, preside o Conselho Estadual de
Defesa dos Direitos da Mulher. A Eulina ingressou na Polícia Civil, mas nunca
fez da repressão grosseira sua principal atividade. Por isso participou de
vários cursos como Atendimento às Mulheres Vítimas da Violência, Liberdade e
Orientação Sexual, Legalização do Aborto, Combate à Violência Intrafamiliar. No
Conselho Municipal, coordenou a elaboração do Mapeamento da Rede de
Enfrentamento à Violência contra a Mulher em Maceió.
Outra profissional
exemplar é a Ângela Maria Benedita Bahia de Brito, graduada em Meteorologia
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além de suas atividades
específicas na UFAL, ela tem uma ampla participação como dirigente do Núcleo de
Estudos Afro-Brasileiros, além de cursos sobre a realidade da população negra.
Isso sem contar seus envolventes projetos de pesquisas. Por exemplo, cito o “Estudo
sobre a vulnerabilidade da população negra ao HIV/AIDS e a busca por prevenções
em comunidades remanescentes quilombolas”. Tem ainda o interessante “Vozes
Femininas – ampliar a inclusão feminina na política de Alagoas”.
Tenho ainda aqui uma
parceira de projetos, que é a competente jornalista Valdice Gomes, a segunda presidenta
e a primeira negra a dirigir o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de
Alagoas. Além de ser diretora da Federação Nacional de Jornalistas, a Valdice integra,
também, a Comissão Nacional de Jornalistas pela Igualdade Racial. Em Alagoas
ela trabalhou com assessora em várias secretarias, municipais e de Estado, e em
órgãos importantes de informação. Ainda faz parte do Centro de Estudos Étnicos
Anajô, vinculada aos agentes de Pastoral Negra do Brasil.
Foto: Lia Melo |
Outra jornalista
atuante, que conheço desde estudante, é a Helciane Angélica Santos Pereira. Ela
começou como a filha do Helcias, mas ganhou luz própria, participando da Comissão
de Jornalistas pela Igualdade Racial em Alagoas (Cojira-AL) editando a Coluna
Axé da Tribuna Independente, ou recebendo prêmios por sua atuação jornalístca.
Desde a época de estudante, Helciane é ativista do movimento, seja no Centro de
Cultura e Estudos Étnicos Anajô, onde já foi presidente, ou entre os Agentes de
Pastoral Negros do Brasil (APNs).
Como mãe, acho que
sempre gostaríamos de ter os filhos ao nosso lado, quando construímos nossos
sonhos. Por isso, os olhos do Helcias Pereira brilham ao lado de sua Helciane.
E também, certamente, a filha tem muito orgulho desse pai que desde os 15 anos
se integrou na luta social – seja na vida sindical ou nas associações.
É um orgulho
homenagear, com a Comenda Zumbi dos Palmares, esses novos Zumbis da inclusão
social dos negros.
Falo primeiro das
impressões digitais de Helcias, que estão nítidas no movimento negro, na
fundação do Mocambo Anajô, no fortalecimento dos Agentes de Pastoral Negros do
Brasil, ou na criação da Coordenação de Entidades Negras de Alagoas, sem contar
o Projeto 300 anos de Zumbi. Se eu quisesse resumir com mais emoção, diria que
Helcias é arte-educador e um dos mais eficientes agitadores e realizadores
sociais e culturais da causa negra em Alagoas.
O Igbonan Rocha, esse
baiano que adotou Alagoas, vai numa linha semelhante, ligada às artes,
principalmente à música. Já montou shows diversos, como o “40 anos fluindo
naturalmente”, gravou CDs e anda soltando sua bela voz por aí, em vários
locais, para nosso prazer. Junto com a Wilma Araújo, ele esteve à frente do
projeto Clube do Samba.
Já o Severino Claudio
de Figueiredo Leite, técnico em contabilidade e licenciado em Educação Física,
abraçou outro aspecto da cultura negra. Entre suas realizações está o Projeto
Abraço à Serra, no Dia da Consciência Negra além da dedicação à capoeira – que
usou para incluir na sociedade meninos de rua, até chegar, também, na Europa,
na Suiça. Atualmente é mestre, entre outros, dos grupos Berimbau Sagrado e
Quilombo Por do Sol dos Palmares.
O Célio Rodrigues dos
Santos é formado em história e lecionou no curso de Pedagogia da UFAL durante
16 anos. É um participante ativo em encontros regionais e nacionais, e preside
atualmente o Núcleo de Cultura Afro Brasileira Lya Ogun-Tê. Dedicando-se à
religião, o professor Célio conseguiu transformar a Casa de Axé na primeira ONG
religiosa alagoana, em 1984. É uma entidade filantrópica e a primeira a
organizar um site. Por seu trabalho ele já recebeu o prêmio Renildo de Direitos
Humanos do Movimento GLBT, além da Comenda mérito Palmares do Estado de
Alagoas.
O Allex Sander Porfirio
de Souza percorre outro caminho, mas com o mesmo destino de ascensão social.
Economista, professor de Matemática e especialista em gestão de empreendimentos
turísticos, tem projetos originais, como o Pérola Negra Brasileira, que analisa
a história e a importância das lutas do povo negro. Conheça e se orgulhe, diz o
Allex, com sua extensa experiência profissional.
Quem quiser conhecer a
história do movimento negro também não poderá deixar de examinar as publicações
e as pesquisas do professor Zezito Araújo. Já na conclusão de sua graduação no
curso de História ele discutia o “Mito da Democracia Racial como forma de
controle social em Alagoas”. Sua dissertação de mestrado tratou do “Carrasco,
comunidade remanescente de Quilombo em Alagoas”. O professor Zezito, além de
estudioso da África e orientador de trabalhos de alunos, é um militante
político e grande organizador de eventos sobre direitos humanos da cidadania
afro-brasileira.
Quem abre outros
caminhos é o professor Jorge Luis de Souza Riscado, doutorando em saúde pública
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, estudando “Saúde, raça/cor,
homens, sexualidade, DST/AIDS e drogas em comunidades remanescentes de
quilombolas em Alagoas”. Em seu mestrado ele apresentou a dissertação sobre “AIDS,
prevenção e prontidão profissional”. O professor Riscado tem um currículo rico,
com ações de extensão de conhecimento, pesquisas e apresentação de trabalhos em
congressos, seminários e encontros. Publicou artigos, capítulos de livros,
organizou publicações e entre seus livros, cito “Ocupando espaço: homens
comportamento sexual de homens que fazem sexo com homens”, e “Quilombolas:
guerreiros alagoanos, aids, prevenção e vulnerabilidade”.
Mas antes de encerrar
essas apresentações de personalidades que somam tantas contribuições para
compor o perfil de uma nova sociedade, quero me desculpar pela síntese. Tive
que reduzir a menos de meia dúzia de folhas uma dezena de currículos, alguns
deles com mais de 30 páginas. Meu propósito foi de ressaltar que nós podemos
dar outro rumo à sociedade.
E vou encerrar como iniciei, recorrendo ao
exemplo de Luther King, que alertava: “Aprendemos a voar como os pássaros, a
nadar como os peixes; mas não aprendemos a simples arte de vivermos juntos como
irmãos”.
A isso Mandela, o Madiva do povo, esse
quilombola contemporâneo e internacional, ensina: "Ninguém nasce odiando
outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião.
Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, também
podem ser ensinadas a amar”.
É
isso que eu venho tentando dizer desde o início, esta é a síntese que consigo
extrair da rica diversidade de cada um de Vocês. Muito obrigado por tudo o que
Vocês fizeram e vêm fazendo. Vocês nos tornam mais irmãos e irmãs. Eu amo essa
bela construção que vocês estão erguendo para uma nova sociedade.
Muito
obrigada.
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